No último domingo, 26/11, a apresentadora Ana Hickmann quebrou o silêncio e falou abertamente pela primeira vez sobre a agressão que sofreu do marido há algumas semanas. Infelizmente, este não é um caso isolado. Em pleno 2023, a violência doméstica persiste como uma triste realidade que atinge mulheres de todas as classes sociais.
A Lei Maria da Penha já existe há 17 anos para proteger mulheres e coibir atos como os que o Brasil ficou sabendo sobre a vida privada da apresentadora. Porém, isso ainda não parece suficiente para acabar com uma cultura tóxica onde certos pais e maridos acham que agressão é sinônimo de poder familiar.
Dados não mostram a totalidade do problema
Os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Datafolha mostram que, somente em 2022, 18,6 milhões de mulheres foram vítimas, o equivalente a um estádio lotado diariamente. Em novembro de 2023, a pesquisa do Senado revelou que mais de 25,4 milhões de brasileiras enfrentaram esse problema.
De acordo com dados do DataSenado, 3 em cada 10 mulheres já enfrentaram essa situação. A pesquisa destaca um dado ainda mais alarmante: quanto menor a renda, maior a incidência desse problema.
A violência psicológica lidera as estatísticas, atingindo assustadores 89%, seguida por violência moral (77%) e física (76%). Outras formas de agressão, como a patrimonial (34%) e a sexual (25%), também são lamentavelmente comuns.
Nosso coração está com elas!
Nós, da CTA Informática, estamos solidários com todas as mulheres que enfrentam ou enfrentaram esse cenário. Entendemos que são realidades cruéis e que não deveriam existir. Por isso, as vemos como sobreviventes, heroínas da vida real.
Acreditamos que a conscientização é a melhor defesa. Infelizmente, 31,3% dos agressores são ex-companheiros, e 26,7% são companheiros atuais. Mais de 50% dos casos ocorrem dentro de casa, evidenciando a necessidade urgente de promover um ambiente seguro e saudável.
O que pesquisa alguma poderá revelar é o número de casos que ficam ocultos pelo constrangimento ainda imposto a muitas vítimas desse mal. Em 2022, das entrevistadas pelo Datafolha que revelaram ter sido agredidas, 45% revelaram que não procuraram ajuda nem denunciaram.
É compreensível. Ainda que os procedimentos incluídos em 2017 na Lei Maria da Penha visem proteger a mulher da revitimização, não é algo fácil de se pensar. De fato, reviver mentalmente as agressões no momento de exercer seu direito de denúncia em delegacias, ser interrogada judicialmente, relatar para advogada/o… tudo isso representa mais sofrimento emocional ao qual nem todas as vítimas estão abertas a passar.
Nosso coração está com todas que escolhem este caminho também. Desejamos que o tempo as ajude a superar cada obstáculo que foi criado a partir do horror que só você conhece e carrega.
Como identificar um abuso?
Sempre que você sentir seus limites pessoais sendo ultrapassados, aí está um sinal. Você pode sentir isso como um incômodo, nojo, medo, raiva. E todos esses sentimentos são legítimos. Ao comunicar o seu desconforto, a pessoa deve parar imediatamente com o comportamento. A violência começa onde acaba o respeito.
Denuncie. Peça ajuda. A Justiça está do seu lado.
Nós acreditamos que a maior defesa é a conscientização
A violência não é sempre evidente, e a linha tênue entre a normalidade e a agressão muitas vezes é difícil de perceber. Identificar um ambiente violento não é fácil, mas é fundamental. Para auxiliar nesse reconhecimento, desenvolvemos uma lista que pode ser compartilhada com quem você quer bem.
O abuso pode se manifestar de várias maneiras, como agressões psicológicas, morais, físicas, patrimoniais e sexuais. Para ajudar na identificação, apresentamos algumas formas de agressão e comportamentos abusivos para que você possa identificar e tomar decisões com mais clareza.
Violência Psicológica
Art. 7º, II: “a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; “
Causa danos emocionais e visa diminuir a autoestima e mina a liberdade de escolha pessoal
- Perseguição e ameaça (física ou na internet),
- Humilhação;
- Depreciação;
- Constrangimento;
- Manipulação;
- Isolamento;
- Chantagem;
- Ofensa;
- Gritos;
- Xingamentos;
- Vasculhar celular, redes sociais e/ou e-mail;
- Gaslighting (distorção de informações para fazer a vítima duvidar de sua memória e sanidade);
- Ghosting (desaparecer sem motivo aparente e sem aviso, bloqueando qualquer tentativa de comunicação);
- Manxplaining (explicar de maneira desnecessária e não solicitada);
- Manterrupting (interrupção frequente de mulheres por homens);
- Love bombing e breadcrumbing (dar atenção para conquistar e depois dar apenas migalhas de afeto).
- Negging (insulto disfarçado de elogio/“brincadeira”).
Violência Moral
Art. 7º, V: “a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”
Visa depreciar a imagem e a honra da vítima.
- Calúnia, difamação ou injúria (todos também tipificados no Código Penal)
- Insultos;
- Denunciação caluniosa (na Polícia ou Poder Judiciário – conduta já tipificada criminalmente, pois enseja uma ação estatal desnecessariamente)
- Porn revenge (divulgação de conteúdo íntimo sem consentimento – foi o que influenciou a criação da Lei Carolina Dieckmann, que incluiu a categoria “delitos informáticos” no Código Penal).
Violência Física
Art. 7º, I: “a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;”
É o extremo da violência, mais facilmente identificável. Pode ensejar medida protetiva pelas autoridades mesmo que apenas exista risco de que aconteça.
- Chutes;
- Empurrões
- Socos;
- Espancamentos;
- Estrangulamento;
- Uso de arma branca ou de fogo.
Violência Patrimonial
Art. 7º, IV: “a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;”
- Apropriação indevida de bens, valores, documentos etc;
- Destruir objetos (roupas, veículo etc, coisas com valor econômico ou estimativo para a vítima);
- Desviar bens (dinheiro, mobília, obras de arte);
- Ocultar direitos, bens, documentos, impedindo a vítima de exercer seus direitos e vontades;
- Abusar de direitos concedidos, mesmo que por meio de procuração e outros instrumentos legais;
- Simular negócios com a finalidade de prejudicar a vítima.
Violência Sexual
Art. 7º, III: a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
É a intimidação, ameaça, coação ou uso da força que limita ou anula o uso dos direitos sexuais e reprodutivos
- Forçar a ter ou presenciar ato sexual contra a vontade.
- Importunação sexual;
- Boa-noite Cinderela ou embebedar vítima para obter vantagem sexual;
- Remover preservativo durante a relação sem o consentimento da outra parte (Stealthing);
- Atos que a forcem a se prostituir, engravidar, casar, abortar…
Vale esclarecer que nem sempre ficará evidente se é caso de crime tipificado na Lei Maria da Penha, no Código Penal ou em outras leis, se cabe processo ou não. Portanto, use as informações deste post apenas como um guia.
A maior preocupação deve ser a infância
O caso de Ana Hickmann ressalta a triste ironia de que o sucesso, a beleza e a fama não são escudos contra a violência doméstica. Sua história, marcada pelo testemunho da violência no ambiente familiar, destaca que as experiências adversas na infância deixam marcas para toda uma vida. Em sua entrevista, Ana demonstrou lembrar detalhes do comportamento do pai em relação à mãe, que culminou em uma cicatriz na mão. Revelou ainda que aos treze anos tentou fugir para a casa da avó com os irmãos.
As crianças são sempre as mais prejudicadas. É triste perceber que em muitos casos, os adultos só tomam uma atitude após o drama conjugal atingir as crianças. Os pequenos não têm desenvolvimento cerebral suficiente para lidar com as emoções fortes e contraditórias da violência familiar. Por isso, os filhos devem ter atenção prioritária. Em qualquer ameaça, devem ser as crianças as primeiras a obter proteção – principalmente se a ameaça são os pais.
Sabemos que é uma visão difícil de conseguir em meio a conflitos. Porém, aqui, nos posicionamos em favor da infância em primeiro lugar. Adultos têm condições de buscar e desenvolver recursos para lidar com assuntos difíceis. Crianças não são capazes de sustentar um casamento para si. Por que deveriam se tornar pilares do casamento dos pais?
A culpa nunca é da vítima
Não podemos mais aceitar a normalização da covardia. Precisamos evoluir para novos entendimentos sobre violência doméstica, física, psicológica, patrimonial. O que acontece em tantos lares brasileiros se trata de violência familiar. Isso significa que temos pessoas que desconhecem a experiência de um verdadeiro lar. Isso quer dizer que falhamos como sociedade, que não fomos capazes de construir lares funcionais para nossas famílias. Por quê?
Nós continuamos fechando os olhos. Ainda defendemos modelos violentos e antiquados. Até quando será normal “bater para educar”? Até quando o discurso da “mulher de malandro” será replicado?
Como curar o mal depois que ele se instala?
Aqui na CTA, a Profª. Hélia, tem auxiliado muitas pessoas que sofrem as consequências da violência familiar. São homens e mulheres que tiveram a alegria e inocência infantil roubadas pela falta de consciência de toda a sociedade.
Como expert em identificar e impulsionar sobreviventes de trauma, ela destaca a importância de construirmos uma sociedade onde ninguém precise ser forte e se isolar para sobreviver. O caminho para fora disso existe. Hoje, a jornada de cura requer bons recursos terapêuticos com um/a profissional de qualidade, um ambiente seguro e acolhedor e paciência.
Gostaria de poder vislumbrar um mundo onde as famílias e lares são lugares de acolhimento, vínculos e real afeto… onde haja segurança para todas as pessoas independentemente de idade, gênero, etnia, opção sexual… Por enquanto, ainda vemos as famílias criando pessoas doentes e as maltratando pelo adoecimento que aconteceu bem ali embaixo do nariz de todos.
Como dizia Hannah Arendt, o mal e a barbárie foram banalizados pela incapacidade humana de avaliar seus atos. Vejo que o mesmo aconteceu no seio das famílias. Porém, algo precisa mudar. Que comece pelos sonhadores cantados por John Lennon.
Profª; Hélia G. Nogueira
Somente juntos, com vínculos verdadeiros, conectados em nossa humanidade, – falha e falível – e em segurança, podemos construir uma sociedade mais saudável. A meta é um mundo onde a violência familiar não tenha espaço, e todas as pessoas possam viver sem medo – homens, mulheres, crianças, sem diferenciação.
“O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.
Martin Luther King
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